O cruzador Andrada e o porto dos Anjos em Arraial do Cabo
A maioria dos cabistas que passaram suas vidas pescando no canto da praia dos Anjos, não sabem que aquele silencioso casco enferrujado que jazia encalhado sobre um molhe de pedras - constituindo-se então no primitivo cais de atracação do porto do Forno - pertenceu ao famoso cruzador Andrada da armada nacional. Recebeu este nome em 1894, em homenagem a José Bonifácio de Andrada e Silva(1763-1838) - o estadista cognominado o “Patriarca da Independência”. O santista Andrada e Silva, foi o primeiro brasileiro a ocupar um ministério, o do Reino. Assume desde então a chefia política do movimento para a consolidação da Regência de D. Pedro. Durante o processo de Independência José Bonifácio tem papel decisivo junto a Pedro I, aconselhando-o a desobedecer as ordens de Lisboa. Mas haveria de desentender-se com o impetuoso Imperador e também com os escravocratas. José Bonifácio tornou-se referência fundamental da formação de nossa nacionalidade e de nossa cultura. Além de estudos de mineralogia e metalurgia, traduções e poesias, deixou-nos inúmeros artigos(inclusive publicados na Europa), apontamentos, ensaios, correspondência e notas pessoais importantes.Foi com a finalidade de escoar a produção de sal das salinas Perinas, que Miguel Couto Filho, recebeu do governo federal em fins da década de vinte do século vinte, as verbas necessárias para se construir um porto e uma linha férrea que trouxesse até os Anjos o sal daquelas famosas e produtivas salinas. Por volta de 1936 elas produziam cerca de cento e vinte e quatro mil e trezentos sacos de sal. Naturalmente pela sua localização, o porto deveria ser chamado de Porto dos Anjos, mas não sabemos porque o mesmo acabou sendo batizado de Porto do Forno.
Tudo indica que por razões econômicas e práticas, o projeto da construção do porto foi elaborado para ter como cais de atracação, um comprido e largo casco de ferro, onde os barcos de cabotagem poderiam encostar com toda segurança. Assim rebocaram do Rio para Arraial do Cabo, o velho casco do América, o ex-Andrada. O molhe de pedra que saía da beira da praia, por onde passaria a pequena locomotiva foi estendido até o local onde o casco do navio tocasse o fundo. Esse casco calava à vante(proa) 17 pés e à ré(popa), 20 pés.
O comprimento do cais de atracação do porto, ou melhor, o casco do Andrada media 85,6 metros, sendo que a sua maior largura alcançava 11,28 metros. Neste espaço construíram um barracão.
O Andrada foi construído por uma firma norueguesa para o serviço de passageiros, sendo lançado ao mar em 1890. Atuando como mercante, foi chamado inicialmente de América e depois Britânia. Embora ele não tivesse requisitos de navio de guerra, mas com a revolta da Armada em 1893, o governo comprou o navio na praça de New York.Entre as suas características principais, além das citadas acima, o navio deslocava 1.877 toneladas e contava com seis compartimentos estanques. Dispunha de uma máquina de tríplice expansão e de condensação por superfície da força de 3.600 cavalos, capaz de desenvolver uma velocidade horária de 13 milhas a toda a força; tinha duas chaminés. A capacidade de suas carvoeiras era de 600 toneladas, sendo que em 24 horas a toda força era gasto 45 toneladas de carvão. Tinha dois tanques com capacidade de 21 metros cúbicos de água doce. Seus paióis contavam com uma capacidade para armazenar mantimentos para 300 pessoas em 70 dias. Contava com as embarcações miúdas: 1 escaler de 12 remos, 2 de oito, 1 de quatro; 1 de dois; 1 baleeira, 1 salva-vidas e 1 lancha a vapor.
Consta que o Andrada não tinha grandes qualidades evolutivas, devido à insuficiência da porta do leme. Quando transformado em navio de guerra, teve suas máquinas protegidas convenientemente e o convés reforçado para receber a artilharia, que constava de 2 canhões Armstrong de tiro rápido de calibre de 12 mm; 2 canhões Hotchkis de 14 libras; 6 ditos de 6 libras e 6 de uma libra e 100 carabinas Mauser. De armamento, dispunha ainda de 4 tubos para torpedos Howel, dois à proa e dois, um em cada bordo.
Incorporado à primeira divisão da Esquadra legal em 1894, o Andrada foi um dos navios que o povo de Arraial do Cabo viu em 7 de março daquele ano, fundear em frente das praias do Forno e dos Anjos. No dia seguinte seguiria para o Rio a fim de enfrentar as forças rebeldes ao Governo de Floriano.
Sua folha de serviços à Marinha, foi extensa...
No final de sua carreira como navio militar, depois de passar a Quartel das Escola de Grumetes, teve baixa em 1913. No ano seguinte foi trocado com o Ministério da Fazenda pela famosa Ilha Fiscal. Vendido posteriormente ao Lóide Nacional, voltou a ser chamado pelo antigo nome de América, realizando várias viagens durante a Primeira Guerra Mundial. E então no final da década de 20 do século passado, o casco do velho Andrada veio repousar definitivamente na Praia dos Anjos.